terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Years of Refusal - Morrissey - Crítica "Y" - Jornal Público

A propósito do último album de Morrissey, deixo aqui a crítica do suplemento "Y" do "Jornal Público", escrita por Pedro Rios.

Com temas que bebem da energia do punk rock e bizarrias aqui e ali, o nono álbum de estúdio de Morrissey está entre os seus melhores a solo

A carreira de Morrissey chegou a um ponto em que se avolumam os que vêem nele uma repetição de clichés. Para muitos, já foi atingido o ponto de saturação e Morrissey é hoje uma caricatura. A confusão entre a sua obra e a projecção de um imaginário em torno da sua pessoa, situação que ele estimula desde o tempo dos Smiths, tem este lado perverso, sobretudo quando falamos de uma personagem que regressa constantemente aos mesmos temas. Ora, este estado de coisas é injusto para Morrissey, que nos últimos anos tem operado uma reabilitação estética interessante e que tem neste novo álbum um passo vigoroso.
Miséria, incompreensão e afastamento continuam a ser assuntos abordados, mas o veículo com que canta os temas de sempre é diferente.

Em "Years of Refusal", sucessor de "Ringleader of Tormentors" (2006), encontramos um cantor, nas vésperas de fazer 50 anos, encantado com a energia rock da banda que o acompanha, a lembrar o efeito que a recuperação das raízes rockabilly tiveram em "Your Arsenal" (1992). Tal como em "You Are The Quarry" (2004), o primeiro disco da actual fase dinâmica de Morrissey, a produção coube a Jerry Finn (que morreria em Agosto, depois de produzir o álbum), conhecido pelos trabalhos com bandas pop-punk como Green Day e Offspring.

Logo a abrir, "Something is squeezing my skull" tem ares de canção dos Ramones e, sintomaticamente, dura apenas dois minutos e meio. A toada punk rock casa estranhamente bem com a imagem de "outsider" que guardamos de Morrissey - sorrimos quando ele atira "There is no love in modern life". Não é caso único no disco: em "All you need is me", todo ela guitarras distorcidas e baixo sujo, há até um momento dos "riff" inicial que parece decalcado de "Holidays in the sun" dos Sex Pistols, e "I'm OK by myself", em que Morrissey assume uma curiosa resignação em relação à sua crónica solidão ("Now this might surprise you, but I find I'm OK by myself"), põe termo ao álbum com uma correria punk.

Entre as novidades estão também algumas deliciosas bizarrias. "One day goodbye will be farewell" parece um tema dos Smiths vitaminado com direito a sopros "mariachi" no final, enquanto "When last I spoke to Carol" conquista pelo descaramento com que pega no flamenco para fazer um tema fulgurante (e, novamente, há sopros).

"Years of Refusal" balança este lado eufórico com algum território clássico pisado com segurança. É assim em "That's how people grow up" (novamente Morrissey a aceitar as agruras do amor: "I was driving my car/I crashed and broke my spine/So, yes, there are things worse in life than never being someone's sweetie"), "Mama lay softly on the riverbed", com bateria e guitarras a debitar um ritmo quase militarista, e "I'm throwing my arms around Paris", a fabulosa canção de pendor levemente orquestral e dedilhado melancólico de guitarra que foi escolhida para primeiro "single" do disco.

Se "Ringleader of Tormentors" era um disco marcado pelo classicismo, "Years of Refusal" é, por vezes, imperfeito, gloriosamente feio, estranho, qualidades que sublinham o imaginário Morrissey, uma das personagens mais inclassificáveis da pop. A colocar entre os melhores discos de Morrissey a solo, juntamente com "You Are The Quarry" e "Vauxhall and I".

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